Ubi Gaius, tu Gaia

Garotas,
hoje é o dia Internacional da Mulher. Nos meus scraps do Orkut recebi vários recadinhos, comemorando a data e me desejando felicidades pelo dia. Eu agradeço a todos, pois sei que foram enviados com sinceridade. Mas, nesta data, sempre me pego a pensar: porque apenas no dia 8 de março, nós mulheres nos congratulamos mutuamente, e não em todos os dias de nossas existências?
Porque apenas no dia 8 de março de cada ano recebemos uma rosa no trabalho, ao invés de recebermos, ao longo de todo ano, o salário justo e digno, igual aos dos nossos colegas do sexo masculino que ocupam as mesmas posições que nos ocupamos? Porque ao invés de confraternizações ao fim do expediente, - com um bolo fatalmente decorado com glacê cor-de-rosa, como se todas nós tivéssemos nascido com essa cor grudada em nossos genes - nós não recebemos o reconhecimento pelos nossos esforços de mantermos em dia nossas metas e tarefas, apesar da dupla jornada a que a maioria de nós é submetida? Francamente, apesar de saber que a coisa é feita com a melhor das intenções, tanta balela enche meu inexistente saco.
É como se, num laivo de condescendência, o universo masculino em que vivemos nos dedicasse um diazinho ao ano para dizer: olhem, elas também são gente! E depois disso, deveríamos estampar um sorriso no rosto, agradecidas e comovidas pela lembrança, colocando embaixo do braço nossas rosas, nossos bombons e uma fatia de bolo.
Ouvi hoje uma historinha interessante, que ilustra bem o que quero dizer com esse post.
Contou uma colega de trabalho que o marido a chamou pela manhã, quando já saía apressada para desempenhar as "milhões de tarefas do dia". Ela, atrasada "como sempre" (pois esposa,-mãe-dona-de-casa-abastecedora-oficial-de-despensa-trabalhadora está sempre atrasada), voltou da porta e perguntou: "o que foi?"
O marido, sorrindo, se aproximou dela e disse: "deixa eu te dar um beijo, pelo menos hoje." E a minha colega, inocentemente, perdida nas datas, perguntou: "por que hoje?" E o cínico marido (deveria ser pendurado de cabeça para baixo pelas "partes") respondeu: "Ah, porque hoje é o seu dia, o resto do ano é meu!"
Bem, infelizmente o marido da minha colega tem razão. Nos outros 364 dias do ano os dias são dos homens, por assim dizer.
Nesses outros dias, os que vieram antes, e os que virão depois de hoje, continuaremos a trabalhar mais ganhando menos. Cabelereiras continuarão a ser assassinadas no trabalho por ex-maridos encrenqueiros. Garotas continuarão a sofrer mutilação genital na Somália, e em outros países da África. Meninas continuarão a ser aliciadas no Norte e no Nordeste do Brasil - principalmente - por exploradores sexuais. Adolescentes ainda serão escravizadas por padrões de beleza anoréxicos e surreais. Mulheres acima dos quarenta, livres e independentes, ainda serão olhadas com desconfiança quando saírem com um rapaz bem mais jovem, ao passo que seus pares do sexo oposto, na mesma situação, receberão tapinhas nas costas, sorrisos maliciosos e o título de "tios" e "garanhões".
Ou seja, a menos que a própria mentalidade feminina evolua, parando de replicar em seus filhos os padrões aprendidos pelas avós de nossas avós, perpetuando a visão androcêntrica do mundo, a maioria de nós continuará restrita a um dia no calendário. Nos outros, ou nos contentamos com o segundo lugar, ou trabalhamos o dobro para provarmos que somos capazes.
Ah, o que quer dizer o título do post?
"Ubi gaius, tu Gaia" é um princípio romano, uma forma de estabelecer a igualdade jurídica entre marido e mulher. A frase era o encerramento do rito do matrimônio e mostrava que, a partir dali, homem e mulher se estabeleciam como pares e iguais, como os dois lados de uma mesma moeda: Onde eu sou Gaio, tu és Gaia.

BJS da Drica ;-)

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