Nacionais #22 - A Baronesa Descalça (Coleção O Clube dos Devassos - 1) - Chiara Ciodarot

Eu estava ansiosa para começar a leitura de “A Baronesa Descalça”, de Chiara Ciodarot. O livro me deixou bastante curiosa, tanto pela sinopse, quanto por se passar numa época de grandes mudanças no jovem Brasil-império, o auge do Ciclo do Café no interior do estado do Rio de Janeiro e também por ter como pano de fundo a questão abolicionista. Ou seja, uma combinação para lá de romântica!

A escrita cuidadosa de Chiara, que usa uma linguagem mais formal, remete sutilmente aos clássicos de José de Alencar sem, no entanto, se tornar pedante nem cansativa. Ao contrário, ela acaba se tornando parte da ambientação do livro. Aliás, falando em ambientação, é nítido o cuidado da autora com a pesquisa histórica. Dos detalhes mais ínfimos, como um determinado tipo de luvas, até mesmo às questões geográficas da região onde o romance se desenrola, nada foi deixado de lado. É possível, durante a leitura, imaginarmos claramente os cenários bucólicos que ela descreve, ver as grandes casas de fazenda do Vale do Paraíba e ouvir o cântico dos escravizados em meio às plantações.

Embora a premissa da jovem repentinamente empobrecida que precisa se casar tenha sido explorada à exaustão em inúmeros romances e filmes, a história de Amaia traz algo de diferente. O que motiva a jovem, que repentinamente se vê órfã e atada a uma propriedade afundada em dívidas, não é o resgate do dinheiro, do seu conforto nem de sua posição social. O que Amaia deseja é levantar recursos para proteger e alforriar as pessoas mantidas como escravas na fazenda. Para isso se submeterá até mesmo a um casamento arranjado e sem amor, algo que contraria completamente seus princípios.


“O amor de Singeon por Cora era adjetivado, formal, igual a qualquer outro. Cora poderia se dar por satisfeita, mas Amaia, se fosse ela, quereria mais para si. Queria perder a noção de tempo e espaço num beijo, esquecer de si mesma e dos seus desejos por roupas novas e jóias. Era o amor a janela para enxergar o mundo de outra maneira, para querer sair de si e fundir-se no outro. Era parte de um desejo que se espraiava do corpo para a alma."


Existe em Amaia uma bondade ingênua, quase pueril, que a faz tentar de todo jeito arranjar um noivo e salvar a fazenda e os cativos. Sua determinação em tomar a frente da propriedade herdada dos pais choca a sociedade da Vassouras de 1872, profundamente apegada a rígidos padrões morais que norteiam, principalmente, a vida das mulheres. Seu empoderamento atiça os homens, desperta inveja nas mulheres e causa escândalo atrás de escândalo. E embora fiquemos felizes por ver uma mulher lutar por seu lugar numa época em que só eram vistas como enfeites ou parideiras, percebemos que essa luta é sua ruína, social e moral. É que a obstinação de Amaia é tão grande que chega ao ponto de torná-la cega para tudo e todos ao seu redor, levando-a, ironicamente, a atitudes imprudentes, egoístas e até mesmo maldosas. Essa ambiguidade que ela desenvolve me agradou muito, pois fugiu dos clichês das protagonistas de histórias desse tipo. Por outro lado, houve cenas em que, a despeito dessa ambiguidade e de seu amadurecimento, Amaia se portou de forma um tanto superficial, dando-me a impressão de que lia sobre duas personagens diferentes nessas ocasiões.

Outro ponto que me incomodou foram os diálogos entre ela e Eduardo Montenegro, seu par romântico na história. Muitos deles começavam com uma provocação, de Amaia ou de Eduardo, um chamado a uma exploração mais profunda dos sentimentos que surgem entre eles, e contra os quais ambos, por motivos diversos, insistem em lutar. Mas geralmente Amaia apenas retrucava com um “canalha” e batia em retirada, ou ria, enfim... Por ela ser muito perspicaz e inteligente, senti falta de um duelo verbal mais consistente entre ela e Montenegro. A sensação que ficava era que eu tinha sentado num carro vistoso, com motor super-potente mas que, depois do primeiro ronco da ignição, engasgava e falhava.

Essa sensação de frustração também aconteceu com Eduardo. Pela intensidade da cena inicial do livro, onde vemos o menino Eduardo passando por uma situação terrível e marcante (cena, aliás, muito bem escrita, transbordante de angústia e emoção), eu esperava um aprofundamento maior nos sentimentos dele. Até porque, o personagem está longe de ser o apenas o mocinho-padrão: heroico, bonito e gostoso. Seu passado, suas atividades e suas motivações nos instigam a querer saber mais dele, do que vai em sua cabeça não só com relação ao que começa a sentir por Amaia, mas das suas razões de ser como é e de rejeitar veementemente a ideia de se casar, mesmo quando admite para si mesmo que está apaixonado pela mocinha. Enfim, senti falta mesmo desse aprofundamento.

Embora os desfechos de alguns arcos da trama tenham sido agradavelmente surpreendentes, fugindo aos clichês comuns aos romances de época, em alguns deles senti falta de um maior desenvolvimento desses “finais”. No caso de três personagens específicos (não conto senão vira spoiller), eu estou até agora querendo saber o que houve com eles. Porém, por se tratar do primeiro livro de uma série, espero ver as explicações nos outros volumes.

Apesar dos pontos que mencionei acima, a leitura de “A Baronesa Descalça” foi muito gostosa. Fui realmente transportada para o cenário das grandes fazendas, dos cafezais e das estradas que percorrem o interior do estado do Rio de Janeiro. O livro cativa pelo cuidado com a escrita, pelo apuro histórico e pelo enredo diferente. Ah, e também tem o epílogo: divertido e romântico ao mesmo tempo!

Num período em que os romances de época estão muito em alta no mercado editorial e em que várias autoras brasileiras se dedicam a escrever sobre o período regencial inglês ou sobre a França pós-revolução, é um verdadeiro alento ler um livro que nos enreda nas tramas da tão pouco valorizada, apesar de riquíssima e emocionante, História do Brasil.

A BARONESA DESCALÇA
(Coleção O Clube dos Devassos - livro 1)
Chiara Ciodarot
Amazon - Independente
373 páginas
ASIN: B07983MQFQ


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