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Fonte: Diário de Cuiabá

Um ponto de vista muito particular e fundamentado sobre literatura, seus aspectos, valores e implicações em outras áreas

Floriano Martins*
Especial para o Diário de Cuiabá

Luís Eustáquio Soares (1966) tem um curioso livro de ensaios. Chama-se América Latina, literatura e política. É duplamente curioso, seja pela presença do tema “América Latina” saltando da pluma de um intelectual brasileiro, seja pela conexão que estabelece entre literatura e política. Luís Eustáquio Soares é professor de Teoria da Literatura e Literaturas de Língua Portuguesa do Departamento de Línguas e Letras da Universidade Federal do Espírito Santo. É autor de Cor vadia (poesia, 2002), Silvo de Luís Caixeiro (romance, co-autoria com Wilmar Silva), José Lezama Lima: anacronia, lepra barroco e utopia (Teoria, 2008), e El evangelio según satanás (Editorial El Perro y la Rana, Venezuela, 2009). A conexão que fundamenta entre política e literatura é o tema de maior presença neste nosso diálogo, por um motivo essencial: ao separar as duas áreas de pensamento, influímos em uma ação distorcida, cabendo, em termos claros, a parte dos resmungos à literatura, e à política os benefícios da distorção. Essa equação satânica gera uma dupla deformação, que aqui tratamos de ambientar. 

Floriano Martins: Comecemos pelo princípio, aquele ponto em que as relações entre literaturas de línguas portuguesa e espanhola em nosso continente despertam o teu interesse como pesquisador e ensaísta. 

LUÍS EUSTÁQUIO SOARES: Em Kafka: por uma literatura menor, Gilles Deleuze e Félix Guattari assim definem uma literatura menor: 1. Uma literatura menor desterritorializa uma grande língua literária, logo desterritorializa os fascismos existentes nos cânones, nas padronizadas e prestigiosas referências teóricas e práticas em relação àquilo que, numa dada circunstância histórica, consideramos ser boa literatura; 2. Ela, a literatura menor, é sempre um caso Político, com P maiúsculo, destaco; 3. Por ser sempre um caso Político, a literatura menor nunca é individual, logo nunca é europeia, latino-americana, africana, negra, feminina, homossexual, pois detém a potência de traduzir o que não é europeu no europeu, o que não é latino-americano no latino-americano, o que não é negro no negro, o que não é feminino no feminino, porque menor é a literatura que não se define, sob ponto de vista algum, de vez que é europeia, sendo latino-americana, africana, ao mesmo tempo em que é negra, sendo feminina, sendo homoerótica, sendo outra de outra, polifônica, de modo que nunca é ela mesma, por ela mesma. 
Sua marca, portanto, advém da potência expressiva de inscrever-se em outras marcas, sem cessar. 
É por isso que, no mesmo livro, Deleuze e Guattari dizem que a literatura é uma questão de povo, porque o povo é a terra de ninguém; de todas as multiplicidades não padronizadas e nem padronizantes. 
Arriscaria a dizer, sob esse ponto de vista, que toda literatura, que mereça realmente esse nome, literatura, é menor, não canônica, não referencial, singular e múltipla, de todos e de ninguém, residindo aí a relação instigante entre literatura e democracia. 
Literatura é demos sem cracia; demos sem poder. 
Meu interesse pelas literaturas de língua portuguesa e espanhola, portanto, é igualmente menor, porque penso que potência menor da literatura latino-americana consiste em sua expressiva questão de povo, que só é devir democrático quando desterritorializa todos os cânones e, sobretudo, os linguísticos, logo o da língua portuguesa e espanhola. 
Interesso-me, assim, pela literatura latino-americana que não seja nem em língua portuguesa e nem em língua espanhola, de vez que sua potência literária, como questão de povo, advém da desterritorialização do espanhol e do português como línguas imperiais. 
Penso, com Deleuze e Guattari, que toda literatura, sendo questão de povo, é também uma questão Política, de polis, de multiplicidades em dissensos. Eis porque tendemos a confundir literatura com beletrismo, sobretudo sob o ponto de vista teórico. 

FM: Mas aqui poderíamos pensar em exemplos, naturalmente sem correr o risco de tornar canônico o não canônico. Autores esquecidos nem sempre o são por injustiça literária, por vezes o motivo aponta na direção da qualidade da obra. Como tatear, no escuro – o leitor impedido, por um manto opressor que o cobre desde a educação infantil –, a distinção vital entre ambas circunstâncias? 

LES: Em Sobre o conceito de História, gosto especialmente quando Walter Benjamin diz: ”Na tradição do oprimido, que é a que vivemos, o estado de exceção é regra geral. Precisamos produzir um conceito de história que corresponda a essa tradição.” 
Diria que precisamos igualmente produzir uma historiografia literária que parta do ponto de vista da tradição do oprimido, que é regra geral. É aí no horizonte da tradição do oprimido que a inovação literária se torna por excelência uma questão de povo e é aí, portanto, que leitor e produção criativa estão ambos tomados por um manto opressor que nos rapta desde antes de nascer, razão pela qual nascemos velhos, milenares, uma vez que a tradição do oprimido é milenar, trans-histórica. 
A criação que inova é a que se contrapõe à tradição do oprimido, lançando, ainda que isoladamente, a possibilidade utópica de uma destradição do oprimido ou uma tradição de desoprimidos, escrevendo o verbo rebento, aí sim, nascido agora, jovial, atrevido, de infinitas possibilidades de mundos, logo de leitores. Esse tipo de criação traz a multidão em si e tende a ser ignorada, acusada de inconsistente, sem qualidade, ou hermética, porque todos tendemos a nos valer dos vetustos referenciais da tradição do oprimido, razão pela qual muitas vezes não compreendemos a alteridade, a estranheza, da criação instigada pela destradição dos desoprimidos. 
São quase que infinitos os casos de criação literária na América Latina que inscreveram o novo cosmológico, em relação à tradição do oprimido e inscreveram-se no coração do horizonte de expectativa de sua época, porque, para superar a tradição do oprimido, o que o nosso presente nos cobra é a projeção inventiva do horizonte de expectativa de uma destradição de desoprimidos, tecida e entretecida pelo vivo presente que nos toca estar, acontecer, criar. 
Consideremos casos de criação como os do brasileiro Sousândrade, no final do século XIX, absolutamente ignorado, seja em função do hermetismo de sua poemática, seja por sua temática cacofônica, orquestração de ruídos urbanos. Consideremos também o caso do uruguaio Lautréamont, com seu verbo poético sem pátria, sem língua mátria, artificioso; consideremos o hermetismo do sistema poética do mundo do cubano José Lezama Lima; antissistema utópico transtemporal e transespacial, cubano, cosmológico. 
Consideremos… os exemplos são indefinidos, múltiplos, felizmente. 

FM: Em tuas notas iniciais ao livro América Latina, literatura e política (2011), sugeres uma relação possível, no ambiente latino-americano, entre barroco e surrealismo. Se é verdade que houve uma fusão maravilhosa do espírito caudaloso de ambas referências, por outro lado houve rejeição, seja do ponto de vista acadêmico ou religioso, do acasalamento dessas duas correntes. Gostaria de saber o teu ponto de fervura de conjunção desses elementos. 

LES: Não acredito no acreditar em algo que seja algo antes que se faça algo sem ser. Digo isso porque o argumento de que somos barrocos ou surrealistas ou qualquer outra inscrição subjetiva e expressiva, para nós, latino-americanos, e para os africanos, europeus, americanos, orientais, constitui apenas – e destaco o apenas – mais uma forma dentre outras de nos tomar, apreender, prender, confinar em um segmento de identidade; a nós e a qualquer outro nós supostamente não nós. 
Recordo, a propósito, da última entrevista concedida por Ángel Rama, a Jesús Díaz-Caballero, na qual o autor de Transculturación narrativa en América Latina disse: “el pátio de mi casa es particular, quando llueve se moja como los demás”. 
Aproveito o gancho para dizer que estamos todos duplamente molhados pela chuva de existir, tendo em vista duas perspectivas: uma primeira marcada pelo passado, a que chamarei de museológica; uma segunda, plena de futuros, a que chamarei de cosmológica. 
A primeira, a museológica, diz respeito ao peso da metafísica do trágico e bélico humanismo do ontem; tremendo peso de impotências ligadas aos fazeres, dizeres, ouvires, impores e seres que temos sido, através deste longo fardo de memórias da milenar tradição do oprimido, para lembrar Walter Benjamin, que nos pesa nas costas e nos tolhe, nos faz impotentes, realistas do pior de nós mesmos. 
Existe, pois, um modo museológico de nos fazer barrocos e surrealistas, na suposição de que o que consideramos ser a realidade, esse fracasso do homem, conforme Cortázar, para nós, latino-americanos, deva ser um retorno medieval ao corpo das contradições entre a transcendência e a imanência, como é o caso da expressão barroca museológica; ou, por outro lado, deva fazer-se como id ambulante de um individual inconsciente em guerra com o ego e com o superego, como no caso do surrealismo museológico. 

FM: E quanto a tua ideia de uma cosmologia? 

LES: Sob o segundo ponto de vista, a do barroco e do surrealismo cosmológicos, aí sim, aí a questão que ora me faz delirar se torna potencialmente instigante, pois o nosso lado barroco e surrealista é precisamente o que se opõe ao peso da tradição do oprimido, de nosso passado como oprimidos, para se tornar pleno de futuros. 
Explico. Diferentemente do barroco e do surrealismo museológicos, o barroco e o surrealismo cosmológicos afirmam a nossa imanência sem se prenderem a transcendências colonizadoras, sem, portanto, as transcendências religiosas (sem Deus), ou estatais (a acadêmica república das letras) ou políticas, como a transcendência dos cânones estéticos logocêntricos. 
É a potência do cosmos que transforma o barroco museológico em cosmológico, pois o cosmos é o ponto de vista multifacetário em que todos os dilemas entre transcendência e imanência do barroco museológico se tornam risíveis, de tão ridículos, de modo que o retorno à Idade Média do Barroco museológico se transforma em retorno ao mundano corpo do mundo, logo ao corpo das misturas alquímicas entre as potências expressivas de todos os povos e singularidades, coletivizando-nos, assim, como comuns, terráqueos, tal que passamos exprimir a Terra em relação ao cosmos, afirmando a imanência daquela pela transcendência deste, sem dilemas. 
O barroco do brasileiro Aleijadinho e do peruano índio Kondori são dois exemplos fabulosos de expressividades barrocas que indiciam, no interior do século XVIII latino-americano, o futuro do barroco cosmológico, no interior do século XX latino-americano, porque ambos exprimiram barrocamente a nossa imanência rebelde como mistura alquímica de povos agitados pelo ponto de vista cosmológico de ser outro de outro de outro, sem cessar, como futuro (embora haja neles ainda bastante peso de passados museológicos), porque ser outro de outro, nesse caso, é não ser o que fomos, ou a nossa herança de nós mesmos, mas o que nos fazemos ser no processo de inventar-nos, como órfica imanência a encantar os infernos de existir na Terra em face do infinito cosmológico. 
O poeta cubano José Lezama Lima, na plutônica imanência do século XX, produziu uma poética, por paradoxal que pareça, marcada pelo barroco cosmológico, porque, diferentemente do barroco museológico, o cosmológico não está preso a período histórico algum, pois o dilema religioso entre imanência e transcendência, assim como o não menos religioso retorno ao mundo medieval, inexiste no barroco cosmológico, de vez que este, sem dilemas, constitui-se a partir da agitação da transcendência cosmológica no rés-do-chão do vivo. 
José Lezama Lima é o poeta barroco cosmológico por excelência, pois sua poética, seu sistema poético do mundo, melhor dizendo, nada mais é que o resultado das potências cosmológicas agitando a imanência dos tempos e espaços, como eras imaginárias de todas as misturas. Ele é o barroco poeta cosmológico do século XX porque o retorno aos tempos e espaços passados de sua poética não é estanque, saudosista, memorialista, mas cosmológica agitação transcendental dos futuros que não fomos, por geralmente exprimirmos tendo em vista o limitado horizonte museológico da tradição do oprimido, esta que nos condena a ser a herança funesta daquilo que fomos ao não sermos: impotências. 

FM:O que faz com que um país tão marcado pela miscigenação, com frutos valiosos em sua árvore cultural afinados justamente por esse diapasão mestiço, tenha uma regência intelectual tão cartesiana, ao ponto de praticamente sugerir a existência de dois mundos disputando pela existência em um mesmo espaço-tempo? 

LES: Imagino, sem o dizer explicitamente, já ter respondido essa pergunta. Por outro lado, penso, explicitamente, que essa não é uma questão latino-americana. O infernal mundo em que vivemos é o mesmo por todo o lado, porque vivemos sob o manto mortuário de um mesmo sistema opressivo, de tutela universal. 
Embora a mestiçagem tenha sido apropriada pelo positivismo fascista como estratégia de embranquecimento dos povos latino-americanos – e não apenas o brasileiro –, de modo algum deva ser definitivamente descartada, como se fosse sempre um procedimento racista, eugênico. 
Toda afirmação de si, seja qual for, é eugênica, de modo que existe também eugenismo negro, embora seja compreensível, num contexto cultural adverso como o nosso, no qual a autoafirmação muitas vezes é o único caminho viável para manter a coesão de comunidades inteiras em risco de subsumir-se aos genocídios econômicos, culturais, religiosos, étnicos e bélicos. 
Somos cartesianos porque somos tomados pelos eugenismos imperiais e temos medo, por isso mesmo, de assumirmos sem cessar a mistura de tudo que existe como matrimônio comum das expressividades vitais do passado e do presente. 
Somos cartesianos porque queremos ser o que nos submete e inviabiliza; porque somos incapazes de expressar-nos num mundo sem prostituição, sem cadeias, sem complexos, no Matriarcado de Pindorama em que tudo é de todos e de ninguém, antropofagicamente, vivamente, comumente. 
Eis porque existe literatura menor, na América Latina, quando nos misturamos, sem hierarquias, de menores para menores. 
É aqui que o barroco e o surrealismo cosmológicos latino-americanos vêm a calhar, nunca a calar, na potência mundana das misturas indiscerníveis que os potencializa a exprimir nossas menoridades não eugênicas. 

FM: Em um capítulo dedicado ao que chamas de “sertões da literatura” reúnes textos sobre Graciliano Ramos, Clarice Lispector, João Gilberto Noll e Guimarães Rosa. Qual o diapasão possível que aproxima esses autores? 

LES: Se o que marca o modernismo, como potência, é a emergência histórica de um mundo laico, sem Deus, ele, o modernismo, inaugura, como nunca, três consciências agônicas intercambiáveis: 1) a consciência agônica de que somos mortais e de que, por consequência, nada nos garante ou fundamenta; 2) a consciência expressiva de que, num mundo sem fundamento, tudo é possível, de modo que sempre estamos nos experimentando e que esta, a experimentação, como esboço de esboço de esboço, é a única verdade constituinte; 3) a rebelde consciência agônica de que, como mortais, somos comuns e, portanto, como comuns, todo privilégio é um sequestro da vida comum, uma forma de implantar Deus, logo a hierarquia, na vida, obstaculizando a livre experimentação. 
Meu interesse em Clarice Lispector, João Guimarães Rosa e João Gilberto Noll advém do desejo de abordá-los sobre este prisma: o modo como se expressaram utopicamente, no caso de Guimarães Rosa; através de uma mistura entre experimentação utópica e niilista, no caso de Clarice Lispector; e uma terceira cínica e predominantemente niilista, no caso de João Gilberto Noll. 
Não os considero, pois, em suas respectivas semelhanças, mas em suas diferenças, procurando analisar a relação dessas expressões ora cínicas, ora niilistas, oras utópicas, com a época histórica em que viveram e vivem. 

FM: O campo discursivo da literatura por vezes elimina a diversidade e se limita a uma cadeia mínima de argumentos estéticos. Há um padrão de leitura, cujos argumentos tomam por base certos interesses na apresentação de uma tese. A riqueza de determinadas literaturas se ressente desse ambiente restritivo. A riquíssima veia artística brasileira a todo instante é atropelada por coerções morais, políticas, religiosas. E, no entanto, sobrevive, como um baú sem fundo, porém estratificada, em muitos casos: mundana. Qual papel desempenha aqui o mundo acadêmico? 

LES: O modernismo, em seus começos utópicos, rebeldes e laicos, não separou experimentação estética da ética, da econômica e política. A emergência de um mundo sem Deus estava implicada com a incessante experimentação de todas as dimensões sociais. 
Marx, sob esse ponto de vista, foi um utópico escritor experimental modernista, embora ainda estivesse limitado compreensivelmente por um mundo já profundamente cindido pela divisão social do trabalho. 
O confinamento da experimentação ao campo estético foi o resultado orquestrado da divisão social do trabalho, marca de nossa sociedade, e criou o esdrúxulo e pretensioso monstro de uma concepção autocentrada de experimentação, que vale por si mesma, feliz com sua separação, confinamento e restrita imanência elogiosa e religiosa de valorização das obras literárias marcadas pela autonomia isolada de si mesmas, como um círculo vicioso de um Ulisses que termina como iniciou, cosmogonicamente, no lugar de cosmologicamente. 
Essa concepção autocentrada de experimentação produziu frases tautológicas e infantis como esta: “O compromisso da literatura é com ela mesma”, comum em bocas bem pensantes de professores de literatura. 
A situação é tão ridícula e impotente, porque feliz com seu confinamento autoexperimental, que mal sabemos que a frase mais citada por professores de literatura, a de que “Não existe arte revolucionária sem forma revolucionária” não passa de um eco epigônico, pretensioso e impotente do que dissera originalmente o cineasta russo Sergei Eisenstein: “Não existe arte revolucionária sem conteúdo revolucionário”. 
Esta é, portanto, a lastimável situação em que nos encontramos, tanto sob o ponto de vista da criação quanto sob o prisma da crítica: reificamos a forma numa civilização em que a forma é o valor dos valores, a reificação absoluta, inconteste, imperial – e ainda nos achamos revolucionários. 
No final de Marxismo e filosofia da linguagem, Mikhail Bakhtin, seu autor, fala com muita propriedade sobre essa questão. O teórico da linguagem russo termina o livro dizendo que a literatura se transformou em pura reificação da forma, comportamento tipicamente burguês, e que, por isso mesmo, o que conta, hoje, é o reino das reificadas opiniões notórias, teóricas e criativas; e que, por consequência, a palavra com seu tema intacto, mesmo em delírio, foi proscrita e é negada como engajamento simplista, djanovista. 
Não sou, obviamente, djanovista. Defendo a experimentação sem limites, polifônica, procurando não deixar nada de fora, nem a forma, nem o conteúdo, nem nada. 
Penso que a infelicidade da restrição expressiva de obras consideradas engajadas, com suas tramadas tramas monológicas, limitadas, é consequência direta de um mundo que confinou a experimentação, quando muito, ao campo estético e, como uma coisa leva a outra, experimentamos, reificando a forma, esteticamente e não o fazemos no campo da economia, da política, das profissões, das ideias, porque o seu lugar já foi estrategicamente definido e permitido: o campo estético. Esse é o grande êxito da divisão social do trabalho; separar-nos. 
Acredito que não existe alternativa para esse beco sem saída em que nos metemos enquanto nos encontrarmos separados e isolados. Logo, enquanto ficarmos felizes com o confinamento da experimentação estética, como se fora um estado de exceção criativo da tradição do oprimido. 
E não tem sido? 

*Floriano Martins (Ceará, 1957) é poeta, editor, ensaísta e tradutor. Dirige a Agulha Revista de Cultura (www.revista.agulha.nom.br) e colabora semanalmente com o DC Ilustrado com uma série de entrevistas que futuramente reunirá em livro intitulado Invenção do Brasil. Contato: arcflorianomartins@gmail.com.

Comentários

aqui vejo o que não se paga porque não é cobrável; porque é generosidade, gratuidade, risco no horizonte.
b
l
Anônimo disse…
Um texto de excelÊnte qualidade que serve como reflexão, principalmente, para as pessoas que não valorizam os inúmeros talentos brasileiros que se destacam em todos os seguinmentos da sociedade. Beijo, Drica!!!