Nacionais #23 - Gale Banks e as Irmãs Brontë - Gabriela Maya


A capacidade de surpreender é uma das principais qualidades que, em minha opinião, transforma um livro numa experiência inesquecível. Outra delas é a intensidade da narrativa, seu condão de nos transportar para dentro dela, de tornar a experiência da leitura algo multissensorial. Em “Gale Banks e as Irmãs Brontë”, Gabriela Maya, que já havia me surpreendido (e conquistado) em “Inês não está morta”, conseguiu novamente me arrebatar com sua escrita.

Dona de um talento inegável e de uma profunda sensibilidade, Gabriela nos conduz pela verdadeira saga que é a trajetória da jovem herdeira Gale Banks, filha única de um banqueiro inglês, criada no campo sob uma redoma de cuidados e educada de forma esmerada. A jornada da moça, seu crescimento como ser humano, suas descobertas, desilusões, desventuras e conquistas são costuradas em cenas construídas com delicadeza e, ao mesmo tempo, com uma carga emocional tão intensa que é impossível não vivenciarmos suas dores e suas glórias. 
"A primavera, estação tão bela e aguardada por nós aqui na Inglaterra, me pareceu uma época do ano muito imprópria para perdermos aqueles que amamos."
Em pouquíssimas obras eu pude acompanhar uma personagem que tem um crescimento tão consistente e tão profundo quanto o de Gale Banks. Sem recorrer a cenas excessivamente dramáticas — aquelas pirotecnias num enredo que vez ou outra nos seduzem enquanto autores — Gabriela Maya conduz a ingênua Gale através de uma teia de pequenos acontecimentos que, somados, fazem da jovem herdeira uma mulher de fibra, disposta a conquistar seu lugar numa sociedade extremamente conservadora. Com discernimento, coragem, perseverança e muita dignidade, Gale reconhece seus erros, suas fraquezas e se dispõe a aprender com suas primas, as ainda (à época) anônimas Anne, Emily e Charlotte Brontë. Nesta charmosa e bem construída ficção histórica, as Brontë são as primas da nossa protagonista, uma parte de sua família materna da qual ela foi deliberadamente afastada. É na distante Haworth, nos braços das primas e da tia Elizabeth que Gale, após rejeitar o destino imposto pelo pai, encontra apoio e inspiração para se tornar mulher.
"As últimas palavras de papai ficaram soltas no ar, criando braços e pernas que as faziam se espalhar por toda a casa; invadiam os cômodos superiores, se deitavam em minha cama, não sem antes afofar meu travesseiro, escancaravam as portas da sala de estar e dedilhavam uma melodia fúnebre em dó maior, no piano de cauda. Aquelas palavras retiravam de mim o que cresci ouvindo dos outros: “como é articulada”."
Apesar do romance de Gale Banks com o jovem Frank Scott ser o ponto de partida de sua jornada, eu não o reconheço como fio condutor da trama. É Gale quem brilha como heroína absoluta na escrita de Gabriela. Aliás, a autora, além de inserir na trama personagens reais — algo delicado e que requer muita pesquisa —, ainda flertou corajosamente com um tema tabu sem, contudo, tornar esse o foco de sua narrativa. Ele está lá como um fato a ser resolvido na trama. Ponto.

Embora Gale Banks seja a heroína do livro, acredito que a protagonista dele foi a Amizade. Da profunda devoção de Ethel à sua patroa e amiga, passando pela conexão que Gale desenvolve com cada uma das suas primas Brontë até sua relação de parceria com Julie McLain, em cada etapa do caminho de Gale é a amizade que abre portas, descortina segredos, estende a mão e a ampara.  
"O perigo de conhecer pessoas especiais é ter de viver uma boa parte de nossas vidas sem encontrar outras como aquelas."
Numa narrativa que alterna entre primeira e terceira pessoas, — na voz da protagonista e de um narrador onisciente, respectivamente — a autora consegue elaborar um painel completo e complexo do início da Era Vitoriana. Sua reconstrução da época permeia o texto de informações que se entrelaçam à narrativa de forma muito natural, fugindo ao didatismo sem, no entanto, ceder à tentação da indiscriminada“licença poética”. Suas informações são precisas sem ser pedantes. E sua escrita, repleta de lirismo, principalmente quando a narradora é Gale Banks, nos leva ao íntimo dessa personagem tão rica.

O final do livro é surpreendente e emocionante. O recurso da autora, de criar dois “capítulos finais”, um deles dedicado às irmãs Brontë, foi absolutamente criativo e fechou com brilhantismo a trama. Confesso que fiquei com um nó na garganta ao virar a última página do livro. (Uma edição lindamente diagramada e acabada, aliás, pela editora Fora da Caixa). Fui fisgada pelo universo criado por Gabriela Maya e dificilmente esquecerei essa história. Definitivamente entrou para meu hall dos favoritos. 

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Gabriela Maya
Editora Fora da Caixa,RJ
Brochura, 244 páginas
ISBN: 978-65-80236-13-8
E-book Amazon
ASIN: B07JCPJFZS

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