Nacionais 2018 #14 - Prata Pura - A. Alevato

"Prata Pura" era um romance que já estava no meu Kindle há algum tempo, mas por uma razão ou outra, eu acabava passando outro livro na frente. Ontem a noite eu resolvi começar a lê-lo. E foi tão bom que terminei menos de 24h depois! Fazia muuuuito tempo que uma leitura não me fisgava assim!

A sinopse e a capa do livro (que me fez imaginar, na primeira vez em que a vi, que se tratava de um romance steampunk) não dão ideia, nem de longe, do quão interessante é a história. Uma mescla de realidade e ficção que resulta num enredo que fica entre o romance de época e uma fantasia utópica.

A narrativa em terceira pessoa começa no ano de 1807 com o desterro da jovem Julienne Elie e de sua fiel criada. Julienne é uma baronesa viúva, empobrecida e abandonada pelo amante, um príncipe inglês que, ao sabê-la grávida, despacha-a para o Brasil para um casamento arranjado. Mas a moça não se conforma com seu destino e durante a viagem toma uma atitude extrema que vai mudar o curso da história. E é a partir deste ponto que a narrativa toma um rumo incrível e surpreendente.

A. Alevato constrói com maestria o império de Boaventura, com sua cultura, suas paisagens, seus costumes, sua mitologia, tudo muito bem coerente e verossímil, absolutamente integrado ao contexto temporal sem, no entanto, abrir mão do lado utópico da história.

O Império de Boaventura é um matriarcado multirraracial e multicultural. E a forma como a autora vai nos apresentando e inserindo neste contexto é muito natural. A riqueza de sua construção está presente nos mínimos detalhes do texto, como as descrições dos trajes, das situações que mesclam os modos recorrentes das cortes europeias com usos e costumes de povos indígenas e africanos. 
"Um licor finamente preparado com grãos de café do Brasil foi servido ao casal principal, que se despedia ainda à mesa do café da manhã, decorada com um caríssimo jogo de chá todo feito de cabaças de diferentes tamanhos e pinturas."
Isso sem falar na inversão dos papéis sociais tradicionalmente atribuídos a homens e mulheres. Em Boaventura os homens não votam, não estudam e são acompanhados por seus valetes a todos os lugares para que não corram o risco de serem desonrados.
"Bom, o Duque Consorte ocupa-se demais com sua gravata e pouco deve ser útil ao rapaz. Mesmo assim, mesmo cuidando do ducado, ainda o acho honesto e creio que será um bom marido. Está sempre acompanhado de seu lacaio, sabe portar-se nos bailes, toca flauta e é um excelente escultor."
Aliás uma das coisas mais mágicas deste livro foi que em cada linha que eu lia, ele me levava a perceber e encarar o quanto o machismo estrutural está profundamente arraigado, internalizado em todas nós, mesmo as mais conscientes e ferrenhas feministas. Como neste trecho total e deliciosamente subversivo:

"O anúncio do casamento era iminente e nunca, jamais, em nenhuma e absoluta hipótese, nem mesmo em um dos Impérios mágicos dos contos de fadas narrados nos livros de rapazes, nunca o Príncipe Francis o perdoaria."

Esses detalhes, aliados a uma trama encantadora e a uma riqueza vocabular ímpar, fazem de "Prata Pura" um livro único e muito gostoso de se ler. Aliás, a introdução do livro, por si só, já é uma prévia da escrita da autora. Muito pouco divulgado, o romance foi lançado pelo selo Mimeógrafo e está disponível em formato digital na Amazon.

Definitivamente, entrou para meu rol de favoritos!

Prata Pura
A. Alevato
Mimeografo - e-book Amazon
173 páginas
ASIN: B077TW8DD3

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