Literatura Estrangeira 2019 #1 - A Grande Solidão - Kristin Hannah

A Grande Solidão foi o segundo livro que li da Kristin Hannah. O primeiro havia sido O Rouxinol, que me marcou profundamente. Então já posso dizer que comecei este com grandes expectativas. E elas foram completamente superadas! Não é a toa que a autora tem mais de 15 milhões de livros vendidos em todo o mundo. Kristin é uma Diva, uma mestra do drama histórico. E com A Grande Solidão não podia ser diferente!

A narrativa começa no ano de 1974, no imediato pós-guerra do Vietnã. Nos Estados Unidos ainda sob o choque da divisão que o conflito deixou no país, sob o impacto do atentado de Munique, do escândalo Watergate e da crise do petróleo. É nesse cenário meio sonolento, meio entorpecido após tantas revoluções, que conhecemos os Allbrights, uma família que tenta sobreviver num mundo para o qual não está nem um pouco preparada. Em todos os sentidos.

A história é contada sob a ótica de Lenora Allbright, ou simplesmente Leni, a filha única do veterano do Vietnã, Ernt, e da delicada e sonhadora Cora. 

Ernt, que era mecânico antes de ser convocado e, posteriormente, capturado na guerra, é um homem doente e desajustado. Vítima do estresse pós-traumático, ele não consegue se fixar em um emprego e com isso vive arrastando a família pelo país, sempre em busca do "lugar ideal". Delirante, psicótico e com mania de perseguição, é dele a ideia de se mudar com a família para o Alasca. 

Aqui eu preciso fazer uma confissão: eu odiei Ernt. No início do livro eu até tentei vê-lo como um homem doente, tentei sentir pena dele. Mas no decorrer da narrativa, conforme o passado dele e de Cora vai sendo revelado, eu perdi toda e qualquer empatia, por mais ínfima que pudesse ser, por ele enquanto ser humano.
"É como se a coluna dele estivesse quebrada. (...)E você não deixa de amar uma pessoa quando ela está machucada. Você fica mais forte para que ela possa se apoiar em você. Ele precisa de mim."
Já Cora é uma mulher de seu tempo. Condescendente com Ernt e seu amor tóxico e doentio, ela foi criada para se casar e ter filhos. É filha de uma família abastada de Seattle e largou o ensino médio para fugir com Ernt para "viver de amor". Mas já no início do livro podemos perceber, numa conversa tensa entre Cora e sua mãe, que o príncipe dela sempre esteve mais para sapo.

Lenora, ou apenas Leni, a protagonista, é uma adolescente de treze anos, tímida, introspectiva e muito ligada à mãe. Muitas vezes Lenora é muito mais madura do que Cora. É através dos olhos dela que acompanhamos a mudança para o Alasca, a aventura e o desatino de Ernt que leva a família toda para Kaneq, uma das cidades mais isoladas daquele estado, para tomar posse da terra que ele recebeu de herança de um falecido companheiro de farda. Despreparado e arrogante, só com muito custo ele aceita a ajuda dos vizinhos para se estabelecer com a mínima segurança em seu novo lar..

No Alasca, além da natureza exuberante e implacável, os Allbrights conhecem também os habitantes locais. Como Marge "Gorda" Birdsall, Tom Walker e seu filho Matthew, e Bo Harlan e seu clã. Todos pessoas extremamente fortes e adaptadas à região, todos perfeitamente construídos pela autora. Cada personagem, até mesmo a natureza inóspita e onipresente do Alasca, tem seu papel nesse drama.

Enquanto é verão, a família cuida de sua cabana e vive dias idílicos sob o Sol que nunca se esconde. Mas, com a aproximação do inverno e a amizade cada vez maior entre Ernt e Bo Harlan, seu vizinho paranoico, o clima começa a pesar na cabana dos Allbright. E quando a escuridão chega é que entendemos porque o livro se chama "A Grande Solidão".
"Uma mulher tem que ser dura como aço por aqui. Não pode contar com ninguém. Você precisa estar disposta a salvar a si mesma. E tem que aprender rápido. No Alasca só se pode cometer um erro Um. O segundo vai te matar."
Depois que li o livro eu entendi as entrelinhas da fala acima, que está, inclusive, impressa na contracapa. No fim de tudo, ela não fala só das condições inóspitas da região. Ela fala sobre o mais primordial instinto de sobrevivência, de só contar consigo quando o pior perigo está dentro de sua casa. De aprender a se esgueirar pelas sombras, a sorrir sem vontade, a se equilibrar na corda bamba emocional. Cora e Leni aprendem com seus erros e de frágeis mulheres da cidade, passam a se integrar perfeitamente com a natureza local. Até que uma nova reviravolta acontece em suas vidas. E depois outra. Preparem seus corações!

A história acompanha a família durante vários anos. E a cada página nos pegamos ansiosas pelo destino de Leni e Cora. Conforme o caráter de Ernt vai se degenerando, tememos pela vida delas e nos deparamos com a dura realidade das mulheres vítimas de violência doméstica naquela época. As dificuldades para se comprovar, a negligência das autoridades, a falta de leis que amparam uma mulher que tenta deixar o companheiro violento.

"A Grande Solidão" é um livro duro, implacável com o leitor, tanto quanto o inverno do Alasca é com os seus habitantes. Embora a autora fale de amor, principalmente do amor materno, ele traz à tona emoções sombrias. Depois que acabei de ler, fiquei numa ressaca literária daquelas. Apesar disso, ou talvez exatamente por isso, tenha se tornado uma das minhas melhores leituras.

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A Grande Solidão
Kristin Hannah
Editora Arqueiro 
Impresso - 400 páginas 
ISBN-10: 9788580418873
ISBN-13: 978-8580418873
ASIN: 8580418879


Sinopse
Atormentado desde que voltou da Guerra do Vietnã, Ernt Allbright decide se mudar com a família para um local isolado no Alasca.
Sua esposa, Cora, é capaz de fazer qualquer coisa pelo homem que ama, inclusive segui-lo até o desconhecido. A filha de 13 anos, Leni, também quer acreditar que a nova terra trará um futuro melhor.
Num primeiro momento, o Alasca parece ser a resposta para tudo. Ali, os longos dias ensolarados e a generosidade dos habitantes locais compensam o despreparo dos Allbrights e os recursos cada vez mais escassos.
Porém, o Alasca não transforma as pessoas, ele apenas revela sua essência. E Ernt precisa enfrentar a escuridão de sua alma, ainda mais sombria que o inverno rigoroso. Em sua pequena cabana coberta de neve, com noites que duram 18 horas, Leni e a mãe percebem a terrível verdade: as ameaças do lado de fora são muito menos assustadoras que o perigo dentro de casa.
A grande solidão é um retrato da fragilidade e da resistência humana. Uma bela e tocante história sobre amor e perda, sobre o instinto de sobrevivência e o aspecto selvagem que habita tanto o homem quanto a natureza.


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